Luzes da cidade

Especialmente no Parque dos Poderes, a composição entre luzes e árvores é muito legal

| CORREIO DO ESTADO / DA REDAçãO


Gilberto Verardo - Psicólogo, psicoterapeuta

Filme favorito de Orson Welles, Charles Chaplin faz o papel de Vagabundo no filme lançado em sete de Março de 1931, dois anos após a queda da Bolsa de Valores de Nova York.

 O contraste fica por conta dos papéis do milionário bêbado, a florista cega e o vagabundo. 

O encontro dos personagens é mediado pela luz da compaixão. Feita a homenagem a Chaplin e parafrasear o nome de seu mais destacado filme é bom falar das luzes da nossa cidade.

Antes do evento da energia elétrica a luz significava clareza e iluminação. Ver melhor as coisas. Apurar os contrastes. 

Pôr tudo às claras. Mas a penumbra e o céu estrelado também compunham a magia da luz. Tipo figura e fundo que a luz de outrora proporcionava aos olhos. 

Assim como a luz se destaca na escuridão, com ela o céu estrelado fica mais brilhante, igual a vagalu-mes no campo brincando no escuro, aguçando nossa imaginação. 

Junto ao sonho torna o cotidiano menos entediante e repetitivo. Ao invés de olhar para baixo miramos o universo estelar. Imaginação e sonho mudaram o mundo. 

Continua fazendo a mesma magia. Talvez seja por isso que as pessoas arrumaram uma desculpa ótima: a casa de campo. Lá se ensinam desenhos estelares para as crianças de costas para a grama e na penumbra da iluminação caseira. Barulhos campestres até criavam histórias. 

A imaginação não era poluída por aparelhos eletrônicos. Era pessoal e intransferível, a não ser que virasse um conto.

Hoje, temos iluminação o tempo todo, rebaixando a imaginação a uma clareza atrófica. Especialmente nas grandes cidades, as pessoas ficam sem sua área estelar, o que estraga muito os momentos que devem ser dedicados ao silêncio e fazê-lo passear com a imaginação em busca de respostas para algumas questões existenciais de foro íntimo. 

Pouca luz faz a gente pensar mais. Muita luz à noite costuma nos deixar inquietos. A fantasia desaparece. Fica tudo às claras, e nos tornamos mais objetivos e menos criativos. Tudo fica revelado como está o mundo atual. Não sobra muito espaço para o exercício do imaginário  

Especialmente no Parque dos Poderes, a composição entre luzes e árvores é muito legal. Postes novatos não brigam com as árvores centenárias. 

Além do mais a altura adequada dos postes nos permite construir sombras mágicas, onde se pode ver, com a imaginação é claro, diversos desenhos, que um metro a mais para frente ou para trás desconstrói e reconstrói outras imagens. 

Mas somos dopados pela pressa de tudo, viciando a imaginação a imagens prontas e teleguiadas para o consumo prazeroso e imediato. Talvez tenhamos nos tornamos práticos demais e imaginativos de menos.

Acho que a companhia de energia não gosta de luz. Só de energia canalizada em fios horrivelmente pendurados em postes mostrengos, limitando calçadas e o livre crescimento de árvores, tão importantes para um respirar menos carbônico, além de bom anteparo contra chuvas e ventos fortes que se intensificam. 

A cidade merece uma repaginada urbana. A iluminação pública tem baixado o padrão da luz, colocando-a no conceito de espanta ladrão e amedronta insegurança.  

Com tantas coisas esquisitas acontecendo, a iluminação pública bem que poderia não ser uma delas. Usar o dinheiro da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (Cosip) é uma velha tentativa de a Administração Pública impor a transferência de uma de suas obrigações básicas aos contribuintes. 

O Judiciário declara inconstitucionalidade do custeio de tal serviço pela cobrança de taxas. A Emenda Constitucional nº 39/2002 que autorizou tal cobrança é inconstitucional face à Constituição Federal de 1988, argumenta os juristas.

Deixando a legalidade esquisita de lado, é a feiura dos postes que mais incomoda. Enterrar os fios já poderia devolver as calçadas aos seus legítimos donos – a população angustiada por falta de uma luz estética. A sede de arrecadação não deveria entorpecer a imaginação urbana. 

Agora, na velha Rua 14 de julho, temos um exemplo imaginário de que mesmo o velho e superado pode ser remoçado pela criatividade iluminada. O urbanismo também precisa dar uma mãozinha para as pessoas exercitarem sua imaginação. 

Assim como qualquer fonte de luz, a iluminação pública pode ser uma fonte de poluição luminosa. Coisa que parecemos acostumados. Não devíamos.



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