O ex-feirante que rejeitou o São Paulo pelo Corinthians e foi salvo por Leo Moura: "É o Acosta, rapaz!"

Vice-artilheiro do Brasileirão 2007, ex-atacante uruguaio relembra arsenal de propostas antes de acerto com o Corinthians, acidente que quase o matou e o passado pobre em Montevidéu

| GLOBOESPORTE.COM / JOãO DE ANDRADE NETO E DANIEL LEAL


Acosta revela seu top 3 com a camisa do Náutico

"O meu empresário, que era o Juan Figer, colocou para mim seis contratos em cima da mesa e falou assim: 'Escolhe aí onde você quer jogar'. Tinha proposta de Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Cruzeiro, Santos e Fluminense".

Ao final da temporada 2007, o uruguaio Alberto Martín Acosta Martinez era, definitivamente, um dos jogadores mais cobiçados do futebol brasileiro.

Aos 30 anos e jogando pelo Náutico, o atacante havia sido o vice-artilheiro da Série A, com 19 gols, e eleito para a seleção do campeonato em premiação da CBF, ficando em segundo lugar na votação para melhor jogador atrás apenas de Rogério Ceni, campeão pelo São Paulo.

Àquela altura, o uruguaio vivia o auge da carreira. A caminhada até lá, no entanto, foi sinuosa. Criado em um bairro pobre e violento de Montevidéu, conhecido como Tajo la puñalada (corte à facada), Acosta foi muito cedo abandonado pelo pai (ironicamente também jogador).

Aos 17 anos, foi ele próprio pai. E de gêmeas. Com situação financeira crítica, precisou largar o futebol. Tornou-se feirante, foi trabalhar vendendo frutas e verduras.

Antes da consagração, ainda escapou da morte após sofrer um grave acidente de carro, poucos meses antes do fim daquele Brasileiro.

"Não conhecia o Náutico"

Acosta mora no Brasil desde 2007, quando foi contratado pelo Náutico, que voltava a disputar a Série A do Campeonato Brasileiro após 13 anos. Mesmo desconhecido, era a principal aposta do clube pernambucano em uma campanha de permanência na elite (o Timbu terminou na 15ª posição, duas acima da zona de rebaixamento).

- Não conhecia o Náutico, não vou mentir. Estava no Peñarol, tinha tido uma passagem pelo futebol da Grécia que não foi legal e queria ficar no Uruguai. Tomei ranço de jogar fora do país. Mas depois de um clássico, dois empresários vieram falar comigo. Um colombiano que queria me levar para o Medellín e outro para o Náutico. Mas eu não queria sair - conta.

"O presidente do Náutico, que na época era o Ricardo Valois, disse que eu iriar morar de frente para a praia. E me mandou fotos da praia de Boa Viagem, disse que aqui era bom, quente. Mostrei para a minha esposa, ela amou e disse: 'Rapaz, não sei se você vai, mas a gente vai".

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A infância em Montevidéu

Acosta não poderia imaginar, mas a carreira tardia no futebol iria entrar em outro patamar. Que talvez não coubesse nos sonhos de uma criança nascida e criada em um dos bairros mais pobres de Montevidéu. Que cresceu sem ter por perto a figura do pai, Juan Acosta Silva.

- Sou de uma família pobre, muito pobre. O meu pai foi jogador de futebol, mas separado da minha mãe. Não me criou. Fui criado pela minha avó, tias, primos. Somos uma família grande. A minha mãe tinha três trabalhos para sustentar a casa. Ela trabalhava em casas, limpando e cuidando de crianças. Minha mãe sempre foi o meu espelho, porque mesmo pobre nunca me deixou faltar nada - disse.

Como inúmeros meninos no Brasil e no Uruguai, Acosta viu no futebol uma chance de ascensão social. Começou a jogar com sete anos, mas precisou mudar de planos dez anos depois, quando engravidou a namorada, de apenas 14 anos. De gêmeos.

- Comecei com sete anos e ia treinar sozinho. Tinha que caminhar umas 30 quadras. Na minha família ninguém acreditava, achavam que eu era ruim, que eu não ia chegar. Aos 15 anos conheci a minha esposa (Daniela), com quem estou junto até hoje. Começamos a namorar eu com 16, ela com 13. Ela engravidou aos 14. Eu estava jogando, mas resolvi parar de jogar - conta Acosta, que foi trabalhar em um mercado público, vendendo frutas e verduras. Acordava todos os dias às 2h da madrugada.

Por ironia, seria no mercado público que as portas do futebol voltariam a se abrir para Acosta. Graças a um encontro casual com um antigo treinador, que fez o convite para um teste no modesto Cerrito, atualmente na segunda divisão uruguaia. Oportunidade, à princípio, rechaçada.

- Cheguei a passar fome com a minha esposa . E quando eu comecei a trabalhar (vendendo frutas e verduras) já não faltava nada. Eu não queria parar de trabalhar para passar necessidade. Comentei com a minha esposa, mas ela sempre soube que o meu sonho era ser jogador. Disse que sustentaria a casa por uns meses e me mandou ir. Fiz, e deu certo. Assinei o meu primeiro contrato com 22 anos. Joguei o meu primeiro jogo pela Série A com 26 anos.

- O meu primeiro salário bom foi quando fui para o Peñarol. Na época, ganhei 10 mil dólares na mão. Eu nunca tinha visto tanto dinheiro junto. Quando cheguei em casa falei para a minha esposa: "Amor, estamos ricos! Milionário!" Jogamos o dinheiro para cima.

"O sonho das minhas filhas era ir ao McDonald’s. Uma coisa simples, mas eu não tinha condições de ir. Com o dinheiro, levei toda a minha família para comer lá", relembra Acosta, que ao todo teve seis filhos (cinco mulheres e um rapaz) e hoje, aos 47 anos, é avô com três netos.

Melhor ano da carreira e acidente quase fatal

O ano da chegada de Acosta ao Brasil foi marcante por vários aspectos. O primeiro, lógico, foi pelo seu desempenho em campo. Em 36 jogos pelo Náutico na temporada, foram 20 gols, sendo dezenove deles pelo Campeonato Brasileiro, onde ficou a um do artilheiro Josiel, do Paraná.

Não demorou para Acosta virar ídolo do Timbu, em uma relação de reciprocidade. Ainda hoje, o agora ex-jogador mantém uma relação próxima com clube. É "garoto-propaganda" de um camarote no estádio dos Aflitos e recentemente fez uma tatuagem do escudo do Náutico na perna esquerda. Entre inúmeros desenhos espalhados pelo corpo, é a única tatuagem referente a um clube.

- De longe, foi o melhor ano da minha carreira. Esse ano foi extraordinário, até eu me surpreendia. Eu tenho um monte de tatuagem e não queria fazer mais. E agora fiz essa por gratidão ao clube. Hoje sou torcedor. Na vida temos que ser gratos, e o Náutico me abriu as portas.

Porém, antes da consagração definitiva como um dos melhores da temporada, Acosta por pouco não perde a vida, ao se envolver em um grave acidente de carro.

Na madrugada do dia 13 de novembro, quando já era um dos destaques do Brasileiro, o veículo dirigido pelo uruguaio colidiu com outro e foi parar num poste, onde ficou preso. A equipe de resgate do Corpo de Bombeiros encontrou o atacante desmaiado.

"Fui ao shopping comprar um tênis e depois me chamaram para ir a um churrasco. Não tomei nada (bebida alcoólica), quando eu tomo eu falo. Na época, no Recife, os semáforos ficavam piscando de madrugada, sem funcionar. Passei pelo primeiro sinal, mas no segundo que veio. Só lembro que tentei me proteger e quando acordei já foi no hospital. Fiquei desacordado por 24 horas", contou.

- Tenho certeza que foi isso que não permitiu eu ser o goleador do campeonato. Perdi uns quatro jogos, porque tive o acidente. Tenho até hoje a marca, tomei uns 30 pontos na cabeça e o ombro saiu do lugar. Doía demais. Perdi esses jogos que fizeram falta - lamenta.

Ainda assim, Acosta entrou na seleção do Campeonato Brasileiro. Na premiação, o jeito simples de ser (foi o único dos premiados que não usou terno e gravata), quase causa um mal entendido e deixa o segundo melhor jogador da competição do lado de fora da festa.

"Cheguei com boné, daquele jeito todo, e pensando: 'Pô, sou o Acosta, né?'. Ai o segurança disse que eu não poderia entrar. Lembro que o Léo Moura, lateral do Flamengo, veio me cumprimentar. Foi quando ele foi lá no segurança e disse: 'É o Acosta, rapaz!" , recordou.

- Sempre fui simples, nunca liguei para essas coisas de roupas. Até hoje eu gosto de andar de chinelo, regata... Eu fui à Bola de Prata com um moletom militar. Mas nessa eu senti vergonha. Estava o Muricy Ramalho, o Thiago Silva… Os caras ficaram me olhando. Mas eu estava no Recife, um calor danado, cheguei do jeito que saí daqui, me pegaram no aeroporto, nem tomei banho e fui direto.

Não ao São Paulo e ida ao Corinthians

Após o término do Brasileiro, e com a supervalorização, seria inevitável a saída do Náutico. E não faltaram ofertas. Segundo Acosta, foram apresentadas pelo menos seis propostas: Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Cruzeiro, Santos e Fluminense.

Apesar de disputar a Série B em 2008, o Corinthians foi quem fez a oferta mais vantajosa financeiramente. Porém por sugestão do empresário Juan Figer, o destino do atacante deveria ser outro: o Morumbi.

- A primeira coisa que falei foi que iria para quem pagasse mais. E ai o Juan Figer disse que era o Corinthians. Mas eu vi que ele não gostou e perguntei qual ele achava o melhor para eu ir. E ele me disse o São Paulo, porque iria jogar na Libertadores, era o atual bicampeão brasileiro (seria tri em 2008) e tinha o Lugano, que é uruguaio. Então eu falei: “Beleza, eu vou para o São Paulo'.

Porém, após uma nova reunião entre jogador e empresário, na madrugada e às vésperas da assinatura com o Tricolor, o cenário mudou, com o Corinthians aumentando ainda mais a proposta. Dessa vez, Figer não teve como interferir.

- Após as férias, eu viajei para São Paulo. Na madrugada, o Figer me liga e fala: “Acosta, Andrés Sanchez (presidente do Corinthians), soube que você ia fechar com o São Paulo e vai te fazer uma nova proposta". Aí, às 3h da manhã, fui ao escritório e ele me mostrou a proposta. O Corinthians tinha aumentado o salário e ainda ia me dar um dinheiro na mão. Ainda fui burro porque queriam fazer um contrato de quatro anos e eu só fechei por dois porque queria ser vendido para a Europa.

O Corinthians anunciou a contratação no dia 18 de dezembro.

Lesão e concorrência com Ronaldo

No Timão, Acosta conquistou os títulos da Série B de 2008, e do Paulista e da Copa do Brasil de 2009. Mas jogou pouco. Apenas 39 partidas, com nove gols marcados. Durante a Série B, sofreu uma fratura na tíbia que o tirou do restante da temporada. No ano seguinte, ganhou a concorrência de ninguém menos que Ronaldo Fenômeno no ataque.

"Tenho varias fotos com ele, treinando, jogando... Eu tenho foto com um monte de jogador, não vou ter com o Ronaldo?", brincou Acosta, que diz ainda ter o número do WhatsApp do hoje CEO do Cruzeiro.

- Nas primeiras duas semanas ninguém brincava com ele porque, pô, é o Ronaldo. Tinha o respeito. Eu ficava pensando “c... como eu chego no cara?'. Mas ele foi muito sábio nas palavras porque viu que os outros jogadores estavam com muito respeito. Ele disse que estava lá para ajudar, que era mais um. Foi quando todo mundo começou a se soltar com ele. Tenho o Whatsapp do Ronaldo, mas falo muito mais com os amigos dele. O homem é difícil - completa, antes de tecer mais elogios ao Fenômeno.

- Disparadamente, Ronaldo foi o melhor com quem joguei. Eu não acreditava naquela ideia de que jogador sozinho ganha jogo. Mas com ele eu passei a pensar diferente. Se ele dizia que iria fazer dois gols, ele fazia. Pedia a bola e resolvia. E ele estava daquele tamanho, imagina quando estava bem.

Declínio, carreira até os 44 anos e experiência como técnico

Após deixar o Corinthians, no final de 2008, Acosta teve uma volta mal sucedida ao Náutico e em seguida foi contratado pelo Brasilense. Era o início da derrocada. Segundo o ex-jogador, fruto de escolhas feitas levando em conta apenas o lado financeiro.

- Foram escolhas. Eu escolhi pelo dinheiro. O Brasiliense, tirando o Corinthians, foi o clube onde mais ganhei dinheiro. Lá, na época, se pagava bicho de time de Série A para jogar um campeonato morto (Campeonato Brasiliense). Já estava com 34 anos e tinha que ganhar dinheiro - diz, sem arrependimentos

Depois do Brasiliense, Acosta viveu uma queda vertiginosa na carreira e passou a peregrinar por vários clubes de menor expressão como Central, Resende, Botafogo-DF, Taboão da Serra, 7 de Setembro-MS, Atlético Carioca, Taguatinga, Barcelona de Ilhéus, Peñarol-AM, onde foi campeão estadual com 43 anos, e Capital-TO, onde encerrou a carreira aos 44.

Mas foi no Santos-AP onde Acosta voltou a viver o papel de ídolo. Foram ao todo quatro títulos estaduais conquistados (2013, 2014, 2015 e 2019). O primeiro tirando o clube de uma fila de 13 anos.

- Meu empresário ligou e disse que presidente (do Santos-AP) estava doido para me contratar. Mas eu pensei: “Santos do Amapá? Deve ser uma bagunça". Para minha grata surpresa, chegando lá, me deram apartamento, um CT que era coisa de louco. Fomos campeões e fiz gols nas duas finais. Nos outros anos fomos campeões de novo.

Trajetória tão bem sucedida que o clube abriu as portas para uma nova carreira. A de treinador, com Acosta levando o time até as semifinais do Amapazão de 2022. Porém, os novos planos profissionais precisaram ser interrompidos por um problema familiar.

- Eu queria seguir a carreira e até tinha marcado para fazer o curso da CBF. Mas minha esposa tem depressão aguda e precisei me afastar do futebol. Hoje, graças a Deus, ela está melhorando. Ela é minha parceira e deixei tudo para cuidar dela. Se acontecesse comigo, ela também iria cuidar de mim.

Mas o futebol não está totalmente fora da vida do ex-atacante. Atualmente, além de ser garoto-propaganda de um camarote nos Aflitos e de uma casa de aposta virtual, Acosta também tem um podcast e um canal no Youtube (Acosta25), onde entrevista outros jogadores e comenta partidas.

"Hoje estou bem. Graças a Deus estou trabalhando, então tá de boa."



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