Carina quase desistiu da vida, mas feira deu 586 razões para continuar

Idealizadora da Feira Bosque da Paz superou depressão com projeto social que une expositores na cidade

| INFORMATIVOMS / CAMPO GRANDE NEWS - JéSSICA FERNANDES


Carina Zamboni e a mãe Denise Zamboni participavam juntas nas feiras. (Foto: Arquivo pessoal)

Carina Zamboni Cavalhero, de 35 anos, foi criada no agito das feiras de rua. Quando criança fazia peças de miçanga e negociava direto com os clientes na barraca que pertencia a mãe Denise Zamboni Cavalhero, de 58 anos.

Ela e a mãe idealizaram a Feira Bosque da Paz que reúne 586 expositores sempre no terceiro dia do mês no Bairro Carandá Bosque. A feira e o artesanato a salvam diariamente após três tentativas de suícidio, dois anos tratando a depressão e a síndrome do pânico.

A história dela é longa, mas o ponto de partida é justamente a feira. “A minha mãe e minha avó são artesãs, então eu nasci nas feiras. Elas tinham uma barraca na feira de Curitiba. Desde pequeninha acompanhava elas e quando a gente se mudou para Campo Grande em 2005 sentimos falta disso', diz.

O bazar na garagem das amigas foi a solução para matar a saudade dos dias em Curitiba. O bazar rodava diversos bairros e era sempre uma festa o encontro da turma e a organização do evento. “Uma vendia brechó, a outra laço, pão, tapete e era essa mistura', conta.

Em 2009, ela teve os primeiros episódios de depressão e pânico após sofrer um acidente. “Eu fiz tratamento, fiquei oito anos sem medicação', fala. Após 10 anos, Carina teve uma ‘recaída séria’ na depressão o que agravou o transtorno de ansiedade e burnout. “Uma puxou a outra', explica.

Na época, ela era gerente operacional de uma transportadora e o tempo que tinha era completamente voltado ao trabalho. Carina fala sobre o desgaste com o trabalho e que demorou a perceber que o mesmo a estava fazendo mal. “Eu trabalhava 10 horas por dia, era motorista me ligando o dia inteiro e eu não entendia que isso me fazia mal. Eu achava que estava ganhando dinheiro e isso me levou a toda essa situação', fala.

Os 60 dias de atestado foram os primeiros de Carina longe dos amigos, da rua e da rotina que conhecia. Em casa a depressão tomava conta da mulher que não sentia vontade de sair da cama e fazer tarefas que antes eram simples, como comer ou tomar banho.

Não demorou para que ela tentasse cometer a primeira do que seria três tentativas de suícidio. “Eu não queria mais viver, era uma dor que não sabia explicar, viver dói, eu não era feliz’, desabafa.

Nesse estado de não querer mais viver, Carina um dia foi cativada por uma bolsa de corda de sisal. O artesanato foi a primeira coisa que ela sentiu vontade de fazer após meses. “Eu sempre fiz artesanato, mas não fazia há muito tempo e eu achei aquela bolsa um máximo. Eles iam ensinar a fazer a bolsa e isso me animou. A gente assistiu a reportagem, mas não tinha nada em casa', diz.

Ontem, a enquete do Campo Grande News questionou os leitores se adotar um hobby pode ajudar a combater a depressão. O resultado apontou que 90% acreditam que uma atividade pode ajudar no tratamento, enquanto 10% responderam que não. No exemplo da Carina, o artesanato foi o primeiro passo rumo a recuperação.

Para conseguir reproduzir a bolsa que tinha visto, Carina precisava sair de casa e isso ela só fazia para ir ao médico. “Antes da pandemia, eu já fazia sessão de terapia por vídeo chamada. Eu não saía pra coisa nenhuma', afirma.

A ida ao Centro para comprar material foi rápida, mas ela e a mãe conseguiram confeccionar a bolsa. Depois que ficou pronta, Carina viu a necessidade de adicionar novos detalhes, depois viu que podia completar a peça com uma carteira e a cada nova ideia ela se animava um pouco.

Sair de casa era difícil, trazia dores para ela, mas a vontade de fazer artesanato justificava as idas ao Centro . “Pra mim sair de casa era uma luta interna, eu sentia muita dor depois, porque a gente fica muito tensa. Pra mim qualquer coisa ia me atingir, me fazia mal. Só que fazer as coisas pra mim era muito maravilhoso', explica.

O retorno às feiras - O que começou como hobby virou um novo trabalho. Depois de postar a primeira bolsa nas redes sociais, amigos e familiares passaram a encomendar a peça para apoiar e incentivar Carina a continuar fazendo o artesanato. “Eu amava fazer, foi o que me fez sair da cama', destaca.

O artesanato chamou a atenção da coordenadora de uma feira que a convidou para expor o trabalho. Apesar do convite, ela ainda sentia dificuldades de sair de casa e só o fez porque a mãe estava junto. “Eu me senti especial ali, foi muito legal. Eu gostei de fazer feira, então íamos nas feirinhas', diz.

O retorno às feiras trouxe uma antiga vontade de organizar a própria no modelo da que participava em Curitiba. A ideia partiu de Denise e Carina embarcou no projeto. “Eu ficava em casa o dia inteiro e comecei a pesquisar, estudar feiras e pesquisar os bairros de Campo Grande. Eu escrevi tudo que ela falava, tudo que ela imaginou de feira, porque ela viveu mais feiras que eu', comenta.

Inspirada nas ideias da mãe, ela escreveu o projeto que resultou na Feira Bosque da Paz. A iniciativa foi escrita e finalizada antes do começo da pandemia, que foi mais um capítulo desafiador para a saúde de Carina. Contudo, a idealizadora já não era a mesma de 2019.

“A pandemia foi um divisor de águas pra mim. Foi onde eu entendi que era muito mais forte que aquilo, eu estava ali com meus remédios, mas estava trabalhando firme e forte', ressalta.

Em casa, ela e a mãe passaram a confeccionar máscaras de proteção contra o vírus. Como as feiras da cidade foram interrompidas, o jeito foi deixar o artesanato de lado e se dedicar à nova produção.

O período da crise sanitária não tirou a vontade de mãe e filha tirarem do papel a o projeto da feira. A vontade de Carina era proporcionar um local onde outras pessoas pudessem ser valorizadas pelo que produziam. Esse espaço e valorização, segundo ela, foram essenciais para que mudasse de vida.

“Quantas dessas pessoas não querem a oportunidade que eu tive? O que uma feira dessas não poderia mudar na vida das pessoas como mudou a minha? O produzir, o ter onde mostrar o produto e ser valorizada pelo meu trabalho fez toda a diferença pra mim', reforça.

Em julho de 2022, elas conseguiram o apoio que precisavam para fazer o projeto acontecer e em agosto do mesmo ano a Feira Bosque da Paz estreou. O evento reúne produções artesanais, gastronomia, além de ser espaço cultural com apresentações musicais.

Através da iniciativa, Carina diz escutar histórias que se assemelham às dela. “Não é só o fator financeiro, é o fator humano. Nós temos muitos relatos de senhoras que mandam mensagem falando: ‘Minha filha, eu preciso trabalhar, eu tô entrando em depressão e eu preciso de ocupação’. Isso me toca muito, a gente chora muito com as coisas que recebemos', conta.

Após oito edições da feira, ela relata que muita coisa mudou na vida pessoal. “São nove meses que a minha vida realmente mudou, nove meses que não posso pensar em desistir porque não é só mais a minha vida são várias', afirma.

Quem quiser conhecer o projeto, o perfil no Instagram é @feirabosquedapaz

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