
Esportes
Maternidade e carreira: profissionais do futebol feminino relatam importância do acolhimento
Mulheres salientam como a modalidade pode servir de impulso para outras áreas de atuação das mulheres
| GLOBOESPORTE.COM / CíNTIA BARLEM E DéBORA GARES
Os dados ainda chocam. Metade das mulheres que se tornam mães no país são demitidas até dois anos após o término da licença maternidade (pesquisa feita pela FGV-Rio). A mentalidade de que a mulher não pode dividir seus dias entre criar um filho e ser uma profissional no mercado segue presente em diversas áreas. Sobre isso, o futebol feminino tem alguns exemplos a mostrar. Lições de acolhimento e união de forças.
Thaís Ortiz retornou de licença-maternidade no segundo semestre de 2022. Desde então, leva o pequeno Lucas, de 11 meses, aos treinamentos do Flamengo. Enquanto faz seu trabalho como fisioterapeuta do time feminino de futebol, as jogadoras se unem para também dar a tranquilidade à profissional.
- No nosso dia a dia, elas me ajudam de todas as maneiras possíveis. Às vezes se eu estou ali amamentando, se eu tô ali dando uma frutinha para o Luquinhas, chega alguma atleta e deseja algum atendimento, elas mesmo se propõem a ajudar: "deixa que eu dou a frutinha pra ele, vai ali atender tranquila". Então elas me passam essa segurança para que eu consiga ter o meu atendimento tranquilo, dar o meu melhor ali para a atleta, e também saber que o meu filhoestá bem, ele está tranquilo, ele tá com as meninas com quem ele se dá bem pra caramba. Então elas me ajudam muito nesse dia a dia para que eu consiga atender e cuidar do Luquinha - afirma Thaís.
O papel do empregador, nesse caso o clube, também é vital para um retorno tranquilo: - O Flamengo teve comigo uma receptividade tão grande que não me passou nenhuma incerteza. Eu tinha a certeza de que ia dar conta de ser mãe, de ser fisioterapeuta.
Uma das "tias" de Lucas é Daiane, zagueira do Flamengo. A atleta comenta que o "mascote" é inclusive um ponto de paz em momentos que o treino é mais cansativo ou estressante.
- A gente fala que ele é nosso ponto de paz. Tem dia que a gente sai super estressado de um treino cansativo, então a gente dá uma passadinha lá na fisio pra ver esse sorrisinho dele aí, ganhar um abraço e aliviar um pouco o estresse - diz Daiane.
A defensora completa sobre a importância do futebol feminino estar dando esse passo de evolução. E define em uma palavra esse novo momento que a modalidade está proporcionando.
- Perseverança. A gente insiste muito naquilo que é considerado impossível. E conforme a gente vai batalhando e conquistando, a gente mostra pro mundo que não existe nada impossível. Desde que a gente esteja todas juntas.
Pâmela é mãe da Sara, de sete meses. Retornou aos trabalhos no Cruzeiro e também recebeu acolhimento do clube depois da licença-maternidade. Atacante da equipe, ela cogitava até nem seguir na carreira, mas o apoio do clube foi importante nesse momento.
- Eles foram incríveis, me surpreenderam muito. Acho que qualquer outra entidade no momento não teria feito o que eles fizeram, me deram todo o suporte que eu precisava. Eu cheguei até a conversar há um tempo atrás que eu queria ir embora, que não tinha como eu ficar, não teria como eu me empenhar da forma como eu gostaria. E partiu deles falarem: ‘ó, vamos ver, vamos esgotar todas as possibilidades de você continuar ou não. Depois disso, você realmente vê se vai querer continuar ou não.’ Eu falei: ‘ok.’ Eles vieram com uma solução, me ajudaram, me orientaram e graças a Deus eu consegui renovar e tô aí nessa aventura - afirmou Pâmela.
O tema é o acolhimento recebido pelas mulheres no futebol feminino na volta da licença-maternidade, mas o foco poderia ser também o apoio para enfrentar outros desafios profissionais. O importante é perceber que, quando se apoiam e são respeitadas, as mulheres ficam mais fortes. Esse caminho pode servir de exemplo para outros universos. E mais forte está Jéssica de Lima, mãe da Luísa, de apenas quatro meses. O tratamento recebido na Ferroviária, onde assumiu como técnica no final de 2022, foi vital para aceitar o cargo.
- Hoje ela é a prioridade na minha vida, eu priorizei muito o futebol na minha vida, muito, até ela nascer eu priorizei o futebol na minha vida, mas hoje, em lugares em que eu não consiga ser mãe, eu também não quero ser treinadora - diz a treinadora.
A técnica ressalta a importância também dessa realidade do feminino em alguns clubes ser amplificada. Uma lição de civilidade, segundo ela, e respeito à mulher e suas escolhas.
- Acho que o futebol feminino ele vem aí pra dar uma lição de civilidade, de cidadania... Para masculino e pro esporte em geral. Acho que a gente vai conseguir fazer com que a sociedade seja um pouquinho mais amena, mais justa, mais tranquila em tempos de ódio - diz Jéssica.
Pela visibilidade, o futebol feminino e o esporte em geral são palcos para que outras áreas se influenciem, como cita Maíra Ruas, psicóloga do esporte.
- O esporte é uma visibilidade pra outras mulheres que trabalham no meio executivo, que são empresárias e que, às vezes, têm a mesma demanda, a mesma questão. Então o esporte é uma grande referência para que outras mulheres se espelhem e falem: "eu também posso".