Esportes
CEO do Atlético-MG explica plano para SAF: "Ajudaria na gestão e na competição em alto nível"
Bruno Muzzi, diretor-geral do clube, concedeu entrevista ao podcast Dinheiro em Jogo, na qual detalhou as necessidades financeiras e a intenção da diretoria atleticana de buscar um investidor
| GLOBOESPORTE.COM / RODRIGO CAPELO
Concretizadas as primeiras operações de compra e venda de grandes clubes do futebol brasileiro – com as vendas de Botafogo, Cruzeiro e Vasco –, o próximo a enveredar pelo caminho da SAF é o Atlético-MG. A sua diretoria é entusiasta da hipótese.
Por que o clube precisaria do dinheiro de um novo sócio? Sedimentado nos empréstimos a juro zero feitos por empresários atleticanos nos últimos anos, seu time é um dos mais qualificados do país, resultado de grandes investimentos. Situação diferente de outros clubes-empresas.
A resposta quem dá é Bruno Muzzi, que chegou como diretor-geral da Arena MRV e hoje ocupa a mesma função, de CEO, do Atlético-MG. O executivo concedeu entrevista ao podcast Dinheiro em Jogo, na qual falou sobre a SAF, a situação financeira e o próprio estádio.
Ouça o episódio, que também traça a retrospectiva da gestão recente da associação alvinegra e explica o estado crítico das finanças. Com R$ 1,3 bilhão, o clube tem uma das maiores dívidas do futebol nacional. A entrevista também está disponível em texto, na íntegra, a seguir.
Por que o Atlético precisa abrir uma empresa?
– A gente está de fato em um momento de transformação, um momento de mudança no futebol. A SAF, assim como a liga, é um elemento dessa transformação. E assim como outras indústrias passaram por mudanças, concentração de mercado, profissionalização, o futebol está seguindo o mesmo caminho. O momento financeiro dos clubes na sua grande maioria é super delicado, e isso faz com que esse processo se acelere. É um processo natural que já vimos em diversos outros mercados, seja na Europa, seja nos Estados Unidos, em outros esportes, então essas são as principais razões. Os clubes grandes vão ter papéis protagonistas, e a SAF, junto com liga e fair play financeiro, vai proporcionar que os clubes possam disputar em alto nível. É natural que todos sigam nessa trajetória.
Você pode abrir a SAF e manter 100% dela com o Atlético. Isso muda questões tributárias, de governança, não necessariamente vai trazer mais dinheiro. O dinheiro vem quando se vende uma parte desta SAF para alguém. Um sócio que vai chegar, seja com participação majoritária ou minoritária. Você entende que o Atlético precisa disso? Desse investimento? E por quê?
– É por aí mesmo. O Atlético, numa venda para um investidor, tem a necessidade de recurso como algo muito importante. Porque o endividamento é muito alto, do clube, e ele ajudaria significativamente na gestão e na competição em alto nível. A partir do momento em que você passa a ter um sócio com poder de investimento, que equalize as questões financeiras, de endividamento, e tenha expertise no futebol para competir em altíssimo nível, é o que a gente busca.
Internamente, como está a questão financeira? A venda da outra metade do shopping resolve até qual ponto?
– A venda é de R$ 340 milhões, foi o que a Multiplan exerceu. E aí gente tem três frentes para atacar: o endividamento bancário, as dívidas com clubes, que fazem pressão muito grande por questões de condenações na Fifa e penalidades esportivas, e tem as dívidas com agentes, que é o dia a dia do futebol, isso precisa também ser sanado. Quando você pega um endividamento de R$ 1,3 bilhão e tem R$ 340 milhões, que vai passar pela estratégia de negociação para ver quanto de fato conseguimos pagar de dívida, e quanto conseguimos ter em economia...
Qual é a situação de cada dívida?
– O endividamento bancário, eu particularmente acho muito difícil que a gente tenha qualquer tipo de haircut, que a gente chama, porque são todos avalizados, é muito difícil. As questões de clubes, que são minoria, são condenações de Fifa que precisamos resolver e pagar logo. E as questões dos agentes podemos buscar um acordo melhor. A gente dá uma organizada. Mas um endividamento dessa magnitude, por mais que o tributário esteja organizado, ele não se resolve de um ano para o outro. São quatro ou cinco anos. E é aí que eu acho que, quando você consegue montar uma SAF e reduzir esse endividamento para uma estrutura de capital adequada, a gente consegue, sim, levar o clube, de maneira sustentável e de forma competitiva, frente a esse novo mercado do futebol com potências financeiras como Palmeiras, Flamengo, e outros que se transformarão também. É uma combinação.
Como o dinheiro desse investidor seria usado?
– A gente pode usar o recurso para abatimento de dívida, investimentos em infraestrutura, na base, e até controlar esse endividamento com acordos extrajudiciais e no tão famoso Regime Centralizado de Execuções. Pelas discussões que a gente está tendo, acho que esse regime ainda é um pouco nebuloso nos seus critérios, ainda não tem uma definição clara, mas é um caminho, e temos que ter muito cuidado. Uma vez que se propõe um acordo, ele tem que ser cumprido. E se não for cumprido, o que acontece? A gente tem que ter muita cautela. O ideal para a gente é usar parte desse recurso para poder deixar um nível de endividamento adequado, outra parte para o CT, deixar isso em nível com o futebol mundial, e acho importantíssimo um investimento adequado na base.
– Você sabe quão importante é a linha de receitas na venda de atletas no futebol nacional, e a gente precisa transformar essa receita que na Europa é não recorrente em recorrente. A gente precisa estar constantemente fabricando e vendendo jogadores. É assim que eu vejo. Uma estruturação de base adequada, para que a gente tenha uma linha de produção de atletas... E nem sempre todos estrelas, mas conseguir produzir atletas em alto nível, que possam ser alocados, isso é de extrema importância.
Hoje em dia já se fala muito em prazos e valores, que o Atlético quer ter a SAF ainda em 2022, que busca R$ 1 bilhão. Qual o status hoje deste assunto dentro do clube?
– Ainda não se tem prazo, não se tem valor. O que a gente tem? Contratamos EY e BTG para nos assessorar nesse mandato de transformação, na busca por investidores, para poder conversar com todos num nível adequado. Temos uma diligência de "sell side", como a gente chama, de quem está vendendo, totalmente pronta. Isso dá muita transparência e tranquilidade, uma diligência feita pela EY, para quando o investidor vier e olhar para os nossos números, não ter surpresas além da diligência. Isso já está pronto. Já estamos no mercado conversando com diversos investidores, estamos com vários NDAs (acordos de confidencialidade) assinados, para que eles possam entender nossos números. Eles podem fazer uma proposta não vinculante, nós vamos avaliar se tem sentido, se a modelagem é a que a gente imaginava, se a origem dos recursos está em linha com o que a gente pensa, se o investidor é estratégico, da maneira como gostaríamos que fosse, e depois disso vamos levar ao Conselho alguma coisa mais concreta.
– O Conselho é soberano. É ele que vai determinar. Nosso papel como diretoria executiva é levar as proposições, para que ele possa decidir. É nesse ponto que a gente está, da troca de informação com investidores, para que eles possam mais para frente fazer a proposta não vinculante, a partir dali vamos apresentar para o Conselho. Não tem pressa. Ah, é para outubro, novembro, dezembro? Não, a gente está fazendo um processo com um fluxo para que seja de forma organizada. E a própria transformação da SAF. Se faz antes, se faz no momento, isso é discutível. Existem questões técnicas muito importantes feitas ao longo do caminho. Estamos em discussão atual, por causa das limitações da lei, se seguimos um caminho de cisão ou dropdown, que precisamos discutir, inclusive com a CBF. Precisamos ter fundamento para tomar as direções certas.
Qual a diferença entre cisão e dropdown?
– A cisão, você cria uma empresa-irmã, e no dropdown, você cria uma empresa embaixo da outra. Na lei, ela acaba dizendo que você precisaria passar por processo de cisão, e aí passa a ter acionistas nas duas empresas. A própria CBF entende que você precisa passar por processo de cisão, mas o que foi feito nos outros clubes foi um processo de dropdown. Tem uma certa tecnicalidade, que precisamos ter clareza.
Como a Arena se encaixa no plano da SAF?
– A Arena tem, ao meu ver, papel fundamental, porque a própria modelagem financeira leva em consideração as receitas da Arena e seus custos. A discussão passa a ser a seguinte: o ativo vem para dentro da SAF ou fica fora? Essa é uma discussão. Quem vai determinar, a gente tem que levar para o Conselho, mas o mercado acaba ditando, né? O mercado é soberano. Se tivermos três propostas, e as três quiserem manter a Arena fora, simplesmente arrendando e tendo direitos na exploração comercial, nos seus patrocínios e custos, está resolvido, concorda?
– Se for outro caminho, se nas propostas quiserem que a Arena esteja dentro da SAF... E, se tiver opções, nós vamos escolher. A Arena é fundamental no processo da SAF, qualquer investidor que venha para explorar a área de futebol de um clube, tendo uma Arena nova, você vê a performance dos times que tiveram arenas novas, como muda a realidade, experiência, o entretenimento... E principalmente com o advento de uma liga. Se tiver uma liga, um estádio legal, uma experiência para o torcedor, nenhum investidor vai abrir mão disso.
Se você pudesse escolher o sócio, qual o perfil de investidor que mais interessa? É apenas dinheiro, ou se esse sócio detém uma multinacional, se ele tem outros clubes no mundo...
– O mais importante é esse perfil, você foi no ponto certinho. O dinheiro, qualquer investidor que vier vai ter. Mais ou menos, mas o dinheiro vai vir. O perfil é a coisa mais importante. A minha opinião é que esse investidor deveria ter um pé na Europa, com a expertise do futebol europeu, da gestão de base, que é tão importante, de padronização, mas que tivesse outro pé no mercado americano, de entretenimento, que sabe como explorar esses ativos e maximizar receitas de diversas formas. Esse para mim seria o perfil ideal para a gente.
@rodrigocapelo