Ronaldo, Deco, Marcelo... SAF muda a cara do futebol brasileiro e leva ídolos a virarem gestores

Um ano depois de aprovada, lei da SAF já é realidade em 25 clubes e tem processo de implantação em dezenas de outros no país com vários ex-atletas e jogadores ainda em atividade no comando

| GLOBOESPORTE.COM / EXPEDITO MADRUGA


Ronaldo comanda a SAF do Cruzeiro: Fenômeno também é gestor no Valladolid, da Espanha — Foto: Gustavo Aleixo

Há exatamente um ano, o futebol brasileiro começava a viver uma nova realidade. A "Era das SAFs" chegou para ser sinônimo de redenção para clubes com finanças combalidas, sem perspectiva de títulos e com autoestima em baixa com sucesso de rivais. Aprovada em agosto de 2021 , a Sociedade Anônima do Futebol foi rapidamente elevada a salvação de times como Cruzeiro , Botafogo e, por último, o Vasco , para citar apenas três exemplos.

Mas não são apenas esses. O Brasil já tem 25 clubes que viraram SAF — alguns com o objetivo de recuperação imediata no desempenho esportivo, e outros com o intuito de criar a estrutura necessária para um projeto a longo prazo. A SAF também foi a porta de entrada para jogadores que fizeram história no futebol brasileiro iniciarem a carreira de gestores .

O caso mais conhecido é o de Ronaldo. O Fenômeno já era dono do Valladolid, da Espanha, quando decidiu comprar o Cruzeiro e inaugurar a era das SAFs no Brasil. Como num passe de mágica, um clube com dívida na casa de R$ 1 bilhão e atolado na Série B virou exemplo para outros. Com retorno praticamente garantido à elite nacional em 2023, o Cruzeiro virou case de sucesso.

- Me sinto honrado por poder liderar o processo de reconstrução do clube. A torcida, mercado e demais stakeholders podem ter certeza que não descansaremos até implementar amplamente um modelo de gestão eficiente, ético e que traga sucesso desportivo - disse Ronaldo, quando da assinatura do contrato que garantiu 90% do futebol do Cruzeiro.

Mas Ronaldo não é o único. O ex-meia Deco, ídolo de Porto e Barcelona, decidiu experimentar o mesmo caminho e oficializou a parceria que já tem há anos com o CSP, da Paraíba .

- Temos que respeitar o DNA do CSP, que é um clube formador. Sempre revelou jogadores. O nosso objetivo é conseguir aumentar isso em capacidade, em qualidade (Deco)

Deco se torna um dos donos do CSP, primeiro clube da Paraíba a adotar o modelo de SAF

Além deles, o ex-meia Palhinha (ex-São Paulo e Cruzeiro e de grande sucesso na década de 90) foi um dos fundadores do Boston City, de Minas Gerais; e Perdigão, volante com passagens por Inter e Vasco, é o dono do P8 Futebol Clube, no Paraná. Apesar de ainda não ser SAF, o lateral Marcelo segue no mesmo caminho de gestor, sendo um dos investidores do Azuriz, também do Paraná, que este ano disputou pela primeira vez uma competição nacional, chegando à terceira fase da Copa do Brasil e ao mata-mata da Série D.

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Mas qual o objetivo? E por que, diferente de Ronaldo, os demais optaram por clubes bem mais modestos e sem a tradição do Cruzeiro?

A resposta é simples: querem trabalhar sem a pressão da torcida e sem ter a obrigação de dar resultados relevantes em campo . No caso específico do CSP, a missão é seguir revelando jogadores — Tiquinho Soares, hoje no Botafogo, começou no clube paraibano e até hoje é agenciado por Deco. Aliás, o atacante foi a porta de entrada do craque luso-brasileiro no Tigre.

- Conheci o Josivaldo Alves (dono do CSP) e fui apresentado ao projeto do clube, que é revelar jogadores. Depois disso, se trabalharmos direitinho, se fizermos as coisas certas, podemos sonhar (com o título estadual e chegar à Série D). Vamos ver com calma nos próximos meses o que vamos fazer já para o Campeonato Paraibano - completou o agora cartola Deco, que também administra o Primavera, da quarta divisão paulista.

Quem já virou SAF?

O Vasco foi o último clube a virar SAF no Brasil. Antes dele, outros 24 já haviam consolidado o processo e "terceirizado" o seu futebol para algum investidor. O clube carioca comemora cifras milionárias, que podem chegar a R$ 1,4 bilhões se somado o que será pago nos próximos três anos e as dívidas assumidas pela 777 Partners.

Nesse recorte de clubes que apostam na SAF, há de tudo um pouco. Quatro deles estão na Série A (casos de América-MG, Botafogo, Coritiba e Cuiabá), dois na Série B (Cruzeiro e Vasco) e um na Série C (Figueirense). Mas também há projetos sociais (como o P8, de Perdigão) e clubes com foco principal nas categorias de base (exemplos do Krakatua, no Paraná; além do CSP, de Deco, na Paraíba).

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A discussão sobre virar SAF já faz parte do cotidiano de outros grandes clubes. Dono do Azuriz, do Paraná, o lateral Marcelo quer ampliar os horizontes no futebol e já pensa em fazer proposta para adquirir a SAF do Santa Cruz , que está na Série D.

"Time de Marcelo", do Real Madrid, Azuriz é um dos interessados em SAF do Santa Cruz

Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Atlético-MG, Athletico-PR, Fluminense, Santos, Grêmio, Inter e Bahia já estudam iniciar a transição no futuro. No caso do Bahia, as negociações são com o Grupo City, que comanda outros dez clubes no mundo - entre eles, Manchester City (Inglaterra), Palermo (Itália), Girona (Espanha) e Bolívar (Bolívia).

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De acordo com José Francisco Manssur, especialista em Direito Desportivo, o primeiro ano de SAF no Brasil já superou as expectativas. Mas ele alerta que o novo modelo não deve ser encarado como uma solução definitiva, capaz de resolver anos de má gestão e transformar tudo isso em títulos em curto espaço de tempo.

— A constituição da SAF não é uma solução em si, mas um instrumento para que os clubes de futebol possam adotar novas práticas de governança, de gestão, e, se tiverem responsabilidade financeira, voltem a uma vida econômica saudável — explicou o advogado, em entrevista para a Agência Senado.

— Vai haver um comparativo de desempenho. As próprias coletividades, os torcedores vão comparar o desempenho dos que instituíram a SAF com os clubes que se mantiveram como associações sem fins lucrativos, com seus processos políticos internos, e isso vai gerar uma discussão interna em vários outros clubes (José Francisco Manssur, especialista em Direito Desportivo).

A SAF parece ser um caminho sem volta. A depender do sucesso de cada empreitada, pode significar outros gols de placa marcados por Ronaldo, Deco, Marcelo... E outros jogadores que escreveram a história do futebol brasileiro, acumularam fama e fortuna, e hoje podem desbravar o mundo da gestão esportiva.



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